Igualzinho como quando, lá atrás, em tempos remotos, dormi com o sonho e acordei com a desilusão, hoje continuo a colecionar maturidade. No lençol sujo da semana passada ainda sinto o cheiro do sexo que adentrava nossas madrugadas tórridas, as quais nem o inverno paulistano de 10 graus foi capaz de esfriar. Graças ao encaixe perfeito de nossa trepada, hoje de manhã ri de mim mesma ao não conseguir mais me imaginar trepando com outro ser que não seja você. Minha imaginação já foi muito melhor, acredite.
Ouvi dizer que mulher trepa com o coração – mentira: mulher trepa com a alma. E com a boca, a língua, os dentes, os cabelos, as mãos e tudo o mais que as quatro paredes nos permitirem – menos com o coração. Minha língua, ao te percorrer, sabia o caminho exato do teu prazer, e teus inúmeros pontos: A, B, C... G, H, T! Tesão. Nosso sexo era bom demais pra ser verdade. Eu me apaixonei por causa do sexo, confesso.
Tantas horas de conversa filosófica e literatura, preferências musicais, política – com direito a rusgas e tudo o mais – manicure, cabelos, relacionamentos do passado, beijos furtivos, e eu só fui me apaixonar depois de te sentir inteira, completa, em cima de mim. E como duas peças finais de d’um quebra-cabeça de 5000 peças, nos completamos e, enfim, formamos aquela figura que vem como amostra na caixinha do brinquedo, deitadas sobre aquele mesmo lençol que hoje de manhã me trouxe teu cheiro.
Não sei te dizer, exatamente, se é só sexo. Pressinto no ar um romantismo, aquele típico dos bobos que se apaixonam e escrevem cartas de amor ridículas num ataque Fernando-pessoístico. Talvez esse romantismo tenha dado as caras pela primeira vez quando, numa noite de sábado, você me disse, toda cheia de dedos, que preferia ficar namorando em casa a sair com o bando descolado e cheio de energia que frequenta minha toca. E depois, mais ainda, quando abriu os braços pra me receber e disse que estava adorando namorar uma pessoa com a mesma disposição que a sua. Achei tão lindo. Ou então, quando daquela outra vez em que, meio assustada, meio querendo, meio com medo, me pediu pra repetir que eu gostava de você. Eu gosto de você, e eu disse com tamanho gosto que minha vontade era de naquela hora gritar pra todo o mundo que eu, finalmente, havia encontrado a minha pequena.
Não sei se já te falei, mas eu odeio a sua combinação astral. Sagitário com ascendente em Câncer... tsc tsc. Contraditório, no mínimo. Odeio a impontualidade do seu amor e esse seu medo de se apaixonar. Será apenas medo? me pergunto com uma insistência tão grande que até meu pensamento já se condicionou: basta eu abrir os olhos que ele já vem martelar essa palavra horrorosa – medo medo medo. Será que hoje, enquanto caminha para a sua casa, ou para a casa de quem me dá arrepios só de imaginar, você pensa em tudo o que pode estar jogando ao vento? A mulher que mora em mim torce para que sim, para que você perceba a tempo a cagada e corrija o curso que o seu coração vai tomar (e essa mesma mulher acredita mesmo que amor é escolha). Mas, sabe... eu tenho um lado que não lhe contei, um lado racional, de macho com ego ferido que lá no fundo pensa: tomara que quebre a cara. Whatever.
O amor ficou nos planos e o sexo na imaginação. Hoje de manhã, ao sentir o teu cheiro bom em meus lençóis, decidi acabar com a tortura: num acesso de fúria arranquei da cama tudo o que nos serviu de vestimenta noturna durante uma semana e ordenei à faxineira que os lavasse em água quente. Depois alvejante. Depois um sabão em pó bem cheirosinho e pra completar um amaciante que os deixasse com um cheiro que não lembrasse nem de longe nossas inúmeras trepadas. E então fui para o meu banho matinal, consciente de que essa foi a última vez em que senti teu cheiro. Ao sair do banho, usei pela última vez o teu desodorante e joguei fora aquela escova de dente que você usou quando, num dia de saudade e curiosidade, foi para casa apenas com a roupa do corpo. Quando estava de saída, com a porta aberta e fazendo um último carinho no bichano, ponderei. Voltei até à área de serviço e procurei um pedaço do meu coração que eu havia jogado por lá. Entre todos aqueles lençóis, resgatei uma fronha, encostei meu nariz e inspirei profundamente teu cheiro uma vez mais. Corri para o quarto, com medo de ser pega pela faxineira, abri o guarda-roupa e então guardei no meio da minha roupa limpa um pedaço do que restou de você.
Hoje, quando for dormir, vou cobrir meu travesseiro com essa fronha, e farei dessa minha licença poética a última esperança de acordar sentindo teu cheiro.